Archive for May, 2015

O CACTO – Cassiano Ricardo -1954

May 29, 2015

Hoje, quero prestar meu tributo ao grande poeta Cassiano Ricardo, transcrevendo um de seus poemas mais marcantes.

Vamos, todos, brincar de cacto
na areia da nossa tristeza.
Uma fôlha sôbre outra,
em caminho do céu intacto.

Uns nos ombros dos outros,
um braço a nascer de outro braço,
uma fôlha sôbre outra,
formaremos um grande cacto.

De cada braço, já no espaço,
nascerá mais um braço, e dêste
outros braços, qual ramalhete
de flôres para um só abraço.

Filhos da pedra e do pó,
fique aqui embaixo o nosso orgulho,
pisado sôbre o pedregulho.
Formaremos, um corpo só

(uma fôlha sôbre outra
uma fôlha sôbre outra,
um braço a nascer de outro braço),
a nossa escada de Jacó.

Pra que tôrre de Babel
ou o Empire State, compacto,
se, uns nos ombros dos outros
chegaremos ao céu, num cacto?

Uma fôlha sôbre outra
e já uma árvore de feridas
por entre os anjos de azulejo
e as borboletas repetidas.

Que fique aqui embaixo a terra;
lá de cima nós tiraremos
uma grande fotografia
do seu rosto de ouro e prata.

Pra provar a Deus que a terra,
numa fotografia exata,
não é redonda, mas chata;
não é redonda, mas chata

Pra provar, por B mais H,
que o homem, animal suicida,
já sabe fabricar estrêlas…
Se é que Deus disto duvida.

Que iríamos fabricas luas
(se não fôra pra Seu gáudio,
o espião nos ter furtado a fórmula)
mais bonitas do que as Suas.

Vamos, todos, brincar de cacto,
uns nos ombros dos outros,
um braço a nascer de outro braço,
uma fôlha sôbre a outra.

Vamos subir, de fôlha em fôlha,
mais alto do que vai o avião.
Lá onde os anjos jogam pedras
no cão da constelação.

Que outros usem o avião a jacto
pra uma viagem em linha reta:
nós, filhos da planície abjeta,
subiremos ao céu num cacto.

Uns nos ombros dos outros,
injustiças sôbre injustiças,
formaremos um verde pacto…
Vamos, todos, brincar de cacto,

Vamos, todos, brincar de cacto.

Vida virtual

May 29, 2015

Quantas palavras vazias são ditas

nesta ciranda de uma vida inútil

que, na verdade, não dizem nada,

pois são apenas frases mal ditas

de uma pessoa simplesmente fútil,

que melhor seria permanecer calada.

Na correria de uma existência virtual

amor e amizade são momentos iguais

à previsão do tempo, falar o trivial

de coisas constantes e sabidamente banais.

A vulgarização de um forte sentimento

tornou-se desse modo tão corriqueira

que, talvez, em um pouquissimo tempo

seja apenas uma sensação passageira.

das

Morte e vida

May 27, 2015

No equilíbrio da vida e da morte

plantei sementes que criarão flores,

e todos os dias busco nesse recanto

de saudades, seguir esse nascer,

sopro da força de novas energias

que preencherão os espaços mortos.

A morte é apenas a passagem no portal

da vida para outras possíveis dimensões,

mas a energia cósmica não se perde,

e retorna ao todo para novas vidas.

Preconceitos

May 19, 2015

Vinha correndo e parou, quando me viu;

imagem inusitada neste frio mês de abril,

aquela criança negra a me olhar e sorrir,

bracinhos abertos, a se equilibrar nas pernas

na fuga da mãe, que lhe corria, também a rir.

Neste mergulho americano, acenei a elas

agradecendo o calor humano sem preconceitos

que vem das crianças, simples, puras e ternas,

a mostrar às pessoas que podemos ser aceitos

não importando a cor ou as origens delas.

Regresso ao Uno

May 16, 2015

No vazio que ficou da morte de minha irmã,

veio a presença de pessoas tão queridas,

que também um dia cruzaram esse portal.

Onde estarão, o que serão elas agora?

Nuvens, ventos, água,terra, energias?

Eram carne, corpos, vida, sentimentos.

Emoções trocadas em abraços, risos, carinhos,

mas também em dúvidas, tristezas, frustações.

Nos deixaram seguir em frente os caminhos,

tantas vezes compatilhados, agora sozinhos.

Como a luz tênue do final do crepúsculo,

foram aos poucos se apagando de nossas vidas,

deixando as saudades e sentidas ausências.
.
Hoje, são lembranças que ficaram em nós,

mas que permanecem bem vivas e eternas