O CACTO – Cassiano Ricardo -1954

Hoje, quero prestar meu tributo ao grande poeta Cassiano Ricardo, transcrevendo um de seus poemas mais marcantes.

Vamos, todos, brincar de cacto
na areia da nossa tristeza.
Uma fôlha sôbre outra,
em caminho do céu intacto.

Uns nos ombros dos outros,
um braço a nascer de outro braço,
uma fôlha sôbre outra,
formaremos um grande cacto.

De cada braço, já no espaço,
nascerá mais um braço, e dêste
outros braços, qual ramalhete
de flôres para um só abraço.

Filhos da pedra e do pó,
fique aqui embaixo o nosso orgulho,
pisado sôbre o pedregulho.
Formaremos, um corpo só

(uma fôlha sôbre outra
uma fôlha sôbre outra,
um braço a nascer de outro braço),
a nossa escada de Jacó.

Pra que tôrre de Babel
ou o Empire State, compacto,
se, uns nos ombros dos outros
chegaremos ao céu, num cacto?

Uma fôlha sôbre outra
e já uma árvore de feridas
por entre os anjos de azulejo
e as borboletas repetidas.

Que fique aqui embaixo a terra;
lá de cima nós tiraremos
uma grande fotografia
do seu rosto de ouro e prata.

Pra provar a Deus que a terra,
numa fotografia exata,
não é redonda, mas chata;
não é redonda, mas chata

Pra provar, por B mais H,
que o homem, animal suicida,
já sabe fabricar estrêlas…
Se é que Deus disto duvida.

Que iríamos fabricas luas
(se não fôra pra Seu gáudio,
o espião nos ter furtado a fórmula)
mais bonitas do que as Suas.

Vamos, todos, brincar de cacto,
uns nos ombros dos outros,
um braço a nascer de outro braço,
uma fôlha sôbre a outra.

Vamos subir, de fôlha em fôlha,
mais alto do que vai o avião.
Lá onde os anjos jogam pedras
no cão da constelação.

Que outros usem o avião a jacto
pra uma viagem em linha reta:
nós, filhos da planície abjeta,
subiremos ao céu num cacto.

Uns nos ombros dos outros,
injustiças sôbre injustiças,
formaremos um verde pacto…
Vamos, todos, brincar de cacto,

Vamos, todos, brincar de cacto.

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