Reflexões Angolanas

ANGOLA
Um belo país, um belo povo, uma triste sina …
Antes que a memória se apague, vou comentar uma série de acontecimentos vividos por mim nesse país maravilhoso, pleno de tradições culturais, arte, musicalidade, crenças e, por que não, mesmo com uma guerra devastadora, hospitalidade. Esse primeiro fato procura apenas registrar a visão , ainda hoje distorcida, do europeu ( ou de todos nós?) do africano em geral. Em certa época, durante os cinco anos de minha permanência no país, fui convidado para um “fungi” (comida típica angolana) na casa de um funcionário local. Ao comentar o convite com dois colegas ingleses, veio a resposta….fulminante “não vá…eles vão lhe envenenar….eles não gostam da gente”. Isso dito com real pânico…Foi uma das melhores noites passadas em Angola…..

LUANDA
Luanda, primórdios dos anos 90, quinze anos após a retirada das tropas de Portugal e da debandada dos portugueses; a cidade….um cáos. Construída para abrigar cerca de 500 mil habitantes, já suportava dois milhões. Abandonada à própria sorte Angola, embora independente (seria?), lutava contra inimigos maiores: disputas internas pelo poder absoluto, falta de mão de obra qualificada quer em escolaridade, quer em formação profissional, colapso do saneamento básico, falta de água, de comida, de transportes públicos, escolas deficientes, universidade fechada pela falta de pessoal, lixo sem recolhimento regular, inconstância na energia elétrica…..Herança colonial – tudo ter , nada dar – Quadros qualificados? Para que? O nativo – visto apenas como valor secundário – a ser mandado, a cumprir ordens, a servir ao senhor colonizador. Exagero? Por certo não.
Descia o avião e podia-se contemplar a beleza da baia de Luanda às primeiras horas do dia. Uma volta longa direcionando a aeronave no rumo do aeroporto 4 de Fevereiro. Embaixo, o “Roque Santeiro”, maior mercado livre a céu aberto e….. “musseques”, muitos musseques. Onde ficara a Rio de Janeiro africana?
No aeroporto, a grande angústia. Na confusão de pessoas que chegavam, que ali estavam porque simplesmente haviam penetrado no desembarque, dos homens escalados para receber as “autoridades” (não havia serviço de ônibus ou mesmo de táxi) As malas, onde estão as malas…?
Uma só esteira, horas de espera, incertezas, preocupações, empurrões, xingamentos, olhos atentos…enfim… olha lá, a primeira mala…e a outra…chegou….sumiu?
Trânsito caótico, buzinas em estardalhaço, “candongas” lotadas, lixo pelas ruas, muito lixo.
Enfim, cá estamos. Viva a aventura !
podemos condenar um povo,abandonado após cinco séculos, de apenas ter servido como agente secundário do colonizador?

AS ELEIÇÕES DE 1992

O período pós-eleições angolanas de 1992 não estava tranqüilo. A vitória nas urnas favorecera ao candidato do MPLA, cuja campanha fora orientada por uma agência de publicidade brasileira. Observadores internacionais ratificaram o resultado, mas o candidato derrotado, líder do partido-exército UNITA, alegava fraude na apuração. Dia-após-dia a tensão aumentava com declarações e ameaças contestatórias. Em nosso canteiro de obras, no interior do país, acompanhávamos os acontecimentos acreditando que a paz selada alguns meses antes das eleições, seria mantida, mas tomávamos várias precauções. Havíamos erguido uma torre com cerca de setenta metros onde colocamos antenas capazes de captar os sinais de emissoras de televisão de vários países europeus e que nos permitia também a comunicação via rádio em longas distâncias. Tínhamos ainda excelentes equipamentos de rádio transmissão que nos davam condições de falar diariamente com nosso escritório em Luanda, com o Brasil e com vários outros países. No passar dos dias fomos notando o crescente movimento nas estradas,de grupos de homens com o uniforme da UNITA, que se deslocavam armados em direção ao norte. Em pouco tempo havia um grande número de soldados acampados na vila de Cafunfo que possuía, assim como em nossa base, um campo de pouso. Tínhamos a real preocupação de uma invasão, pois o produto de nosso trabalho – o diamante – junto com o petróleo de Cabinda, era de vital importância para o governo, como o seria na posse de seus opositores. Um dos equipamentos de grande alcance foi escondido em um quarto de nossa casa de hóspedes e de lá passamos a informar continuamente a evolução dos acontecimentos. Para nossa segurança externa havia um pelotão de polícia com cerca de vinte homens, comandados por um jovem tenente. Internamente possuíamos um grupo de seguranças que incluía os famosos Gurkas do Nepal. Contatos foram mantidos com o Brigadeiro Futungo que chefiava as forças da UNITA, buscando melhores informações e conhecimentos de seus movimentos.

A INVASÃO

meninos-soldados correm pelo mundo…armas em punho, drogas no sangue, sangue nas mãos…

Certa manhã fomos alertados da passagem, em nossa direção, de pesado comboio de soldados da UNITA. Medidas urgentes foram tomadas, para retirar para Luanda os altos funcionários angolanos, que seriam, com certeza, alvos prioritários. Nosso estoque de diamantes que seria embarcado naquela manhã, ficou nos cofres…, pois não houve tempo para salvá-lo e a prioridade eram as pessoas.A invasão foi violenta. Granadas explodiam e tiros eram feitos em todas as direções. Meninos-soldados juntos aos mais velhos, quase todos drogados, avançavam atirando. O pelotão de policiais, em debandada, buscava refúgio nas matas. Nada poderia ser feito a não ser procurar abrigo. Estávamos ali para trabalhar não para guerrear. Era o início de longos e penosos dias….
A INVASÃO CONTINUAVA
Passados o espanto e o choque dos primeiros momentos, procuramos retomar a situação ameaçada e buscamos o contato com o comandante do ataque. Já não se ouviam tantos tiros, pois os meninos-soldados percebiam que não houvera reação em armas. Nos primeiros passos fomos interceptados por alguns deles que gritavam “motorola”, “motorola”, “motorola”, apontando para o rádio colocado à cintura e fazendo sinais para que o entregássemos. Logo encontramos o coronel que chefiava o grupo e pudemos nos identificar, invocando o conhecimento com o brigadeiro Futungo. Durante algum tempo mantivemos uma conversa tensa, na qual o comandante deu-nos 24 horas para nos retirarmos do local, – somente os expatriados. Os angolanos deveriam permanecer. Ante a nossa negativa de abandonar os funcionários angolanos, tornou-se mais agressivo. O restante de seu pessoal entretinha-se na busca de objetos, comidas e bebidas. Muitos exigiam as chaves dos carros. “as carrinhas, as chaves”. Ia ser um longo dia…..

Mas, conseguiramos retardar a retirada do pessoal, cerca de 1200, argumentando a impossibilidade de fazê-lo em 24 horas. Seriam várias viagens, inicialmente feitas pelos aviões previamente contratados à uma empresa dirigida por ex-oficiais russos e completada por aviões da Força Aérea Brasileira. Os vôos iniciais dirigiram-se para Luanda, mas pelos violentos conflitos na capital, foram redirecionados para a Namíbia.
Era uma situação absulutamente surreal que envolvia homens e mulheres de cerca de dezoito nacionalidades. Apesar de muitos feridos tudo afinal dera certo. Para trás ficaram os sonhos, muita dedicação e trabalho, mas à frente teríamos a esperança, muito angolana de dias melhores.

3 Responses to “Reflexões Angolanas”

  1. Papagena Says:

    A volte, fa bene mettere ordine nelle stanze della memoria.
    Togliere quel velo di polvere che preserva, ma nasconde.
    Immergersi in una realtà che fu dolorosa ….per ritrovarla mitigata dal tempo.
    Ritrovare se stessi, fuori e dentro di noi.

    Proverò ad aggiornare la mia traduzione.
    Um abraço

    • victor motta Says:

      Manu, cara mia Scuzi questo largo ritardo per rispondere tutti che tu ai scritto per me. Io sono a Florianpolis da 6 Dicembre e per infelicit, mio computer,con problemi, me ha lasciato “prigioniere” della internet. Io ho sentito la tua assenza e altresi io non possa scrivere tu non me lasce sin notizie. Per favore, me corregere perch gi non so niente di italiano….baccio

  2. Tete Motta Says:

    Amo tuas memorias.concretas lembraças.

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